A importância da audiência preliminar na Lei Maria da Penha: decisão do Desembargador em foco

De acordo com o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, a aplicação da Lei Maria da Penha ainda levanta debates relevantes nos tribunais, especialmente quando envolve a exigência de audiência preliminar para a vítima ratificar ou retificar a representação feita na fase policial. Uma decisão emblemática nesse sentido foi analisada no processo de número 1.0460.09.037103-6/001, da Comarca de Ouro Fino, em Minas Gerais. O caso envolvia um réu, acusado de lesão corporal leve no contexto de violência doméstica.
Entenda tudo sobre o caso e o voto do desembargador a seguir:
A audiência preliminar e a garantia da vontade da vítima
A principal discussão do caso girou em torno da obrigatoriedade da audiência preliminar prevista no artigo 16 da Lei Maria da Penha. Segundo o Desembargador, revisor e relator para o acórdão, essa audiência é fundamental, pois permite que a vítima decida, perante o juiz, se deseja ou não seguir com a ação penal. A ausência dessa etapa processual compromete o direito da vítima e causa a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia.

Alexandre Victor de Carvalho, no entanto, optou por uma visão distinta. Em seu voto, ele admitiu o erro processual, mas sustentou que, ao invés da nulidade, o réu deveria ser absolvido por insuficiência de provas. Sua fundamentação levou em conta que não havia elementos concretos suficientes para sustentar uma condenação, uma vez que a palavra da vítima não foi corroborada por outros meios de prova.
A controvérsia sobre a natureza da ação penal nas lesões corporais leves
Um ponto central que permeou o julgamento analisado foi a discussão sobre a natureza jurídica da ação penal nos casos de lesão corporal leve praticada no contexto de violência doméstica. O Desembargador Alexandre Victor de Carvalho, com base em uma interpretação sistemática da legislação, defendeu que, mesmo diante da Lei Maria da Penha, o crime descrito no artigo 129, §9º, do Código Penal continua sendo de ação penal pública condicionada à representação da vítima.
Esse entendimento é reforçado pela própria redação do artigo 16 da Lei Maria da Penha, que prevê a possibilidade de retratação da vítima, exigindo para isso uma audiência específica antes do recebimento da denúncia. O desembargador demonstrou profundo domínio do tema ao ponderar que a ausência dessa audiência compromete a validade da ação penal.
Prescrição e extinção da punibilidade como resultado da nulidade
Com a anulação do processo por vício formal, a consequência natural foi a análise do prazo prescricional. Como a pena aplicada anteriormente ao réu era inferior a um ano, o prazo prescricional era de dois anos, conforme o artigo 109, inciso VI, do Código Penal, em sua redação anterior à Lei 12.234/10. Considerando que o fato ocorreu em junho de 2009 e o julgamento se deu apenas em agosto de 2011, restou configurada a prescrição da pretensão punitiva do Estado.
Essa solução técnica, embora eficiente, provocou discussões jurídicas de fundo. O voto do Desembargador Alexandre Victor de Carvalho, ainda que vencido, ilustra bem os dilemas enfrentados pela magistratura, quando a legislação processual entra em conflito com princípios constitucionais. Sua tentativa de resolver o caso com base no mérito e não apenas por questão formal reforça sua atuação cuidadosa e ponderada. Ele demonstrou que o respeito aos direitos do réu e à vítima deve ser equilibrado com rigor técnico.
Em resumo, a atuação do Desembargador Alexandre Victor de Carvalho no julgamento do processo 1.0460.09.037103-6/001 reforça sua contribuição ao debate jurídico sobre a aplicação da Lei Maria da Penha. Mesmo vencido, seu voto representou uma alternativa coerente, pautada na análise das provas e nos princípios constitucionais. Esse caso revela a importância de se seguir corretamente os ritos processuais, especialmente quando se trata de ações penais públicas condicionadas à representação da vítima.
Autor: Hogge Leogiros